"odeio quem rouba a solidão sem em troca me oferecer verdadeiramente companhia..."
Carta de Dostoievski para Anna Grigórievna
Não Sou Digno de um Anjo Tão Doce como Tu
Bom dia, anjo querido, beijo-te muito. Pensei em ti durante todo o caminho. Acabo de chegar. Sinto-me cansado e instalei-me para te escrever. Acabam de trazer-me chá, e água para me lavar, mas no intervalo escrevo-te umas linhas. (…) Na sala de espera da estação andei de lá para cá a pensar em ti e dizia comigo: mas porque deixei eu a minha Anuska?
Recordava tudo, até ao mais ínfimo escaninho da tua alma e do teu coração. Desde que casámos que descobri não ser digno de um anjo tão doce, tão belo, tão puro como tu – e que crê em mim. Como pude eu deixar-te? Para onde vou? Porquê? Deus confiou-te a mim para que nenhuma das riquezas da tua alma se perdesse – pelo contrário, para que tudo se desenvolva e floresça rica e esplendorosamente. Deus entregou-te a mim para que, por ti, eu resgate os meus enormes pecados, ao apresentar-te a Ele amadurecida, conservada, salva de tudo o que é baixo e ofende o espírito. E eu (…) eu o que faço é perturbar-te com coisas tão estúpidas como a minha viagem a este lugar.
Fiodor Dostoievski, em Carta a Anna Grigórievna Snítkina (1867).
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Em 1865, começou a escrever Crime e Castigo, uma das suas obras capitais, que apareceu na revista O Mensageiro Russo, com grande sucesso. Quando o seu editor determinou um prazo muito curto para que terminasse o livro, contratou a estenógrafa Anna Grigórievna Snítkina, a quem dedicou, em apenas vinte e seis dias, o livro O Jogador. Casaram em 1867, tornando-os amantes inseparáveis até o falecimento do escritor.