March 25, 2024

A energia nuclear não nos faz falta… e só nos pode fazer mal

 

Estou completamente de acordo com este senhor (que calculo seja um especialista mas não sei porque os jornais pensam que todos os portugueses são mundialmente conhecidos como o Silva dos plásticos) e os argumentos dele convencem-me. E ainda acrescento um que li num artigo, no ano passado, sobre as centrais nucleares em França devido à seca: as centrais nucleares necessitam de grandes volumes de água para arrefecer o núcleo do reactor e produzir energia - daí estarem perto de rios e fontes de água. Ora, o nosso país está constantemente em seca... 


A energia nuclear não nos faz falta… e só nos pode fazer mal

Manuel Collares-Pereira


Espero que o bom senso impere e que, por uma vez, nos ajude a crónica falta de recursos financeiros.

Há quem teime em trazer de volta o tema da energia nuclear, como se estivéssemos 50 anos atrás, não tivesse havido qualquer evolução do setor da energia e fosse necessária uma forma de energia com uma aura quase milagrosa que a propaganda de então soube conferir-lhe, para resolver os nossos problemas atuais da energia e do ambiente.

Entretanto, o mundo deu muitas voltas ao sol, as questões da energia são hoje percepcionadas de forma muito diferente, num contexto de sustentabilidade, a ciência do clima trouxe-nos um sentido de urgência e a evolução tecnológica deu-nos alternativas fantásticas que genericamente designamos por energias renováveis (ER).

Contudo, o nuclear aparece ainda, sem que seja capaz de responder às novas exigências de uma solução adequada num grande número de valências. Vejamos quais:

A energia nuclear não nos faz falta… e só nos pode fazer mal

  • É demasiado caro, mesmo sem contabilizar os custos escondidos (os de armazenar os resíduos, os dos seguros contra acidentes e seus efeitos, os do desmantelamento das centrais em fim de vida, etc.); é mesmo muito mais cara (10 a 20 vezes mais, por unidade de potência instalada) que as renováveis, solar, eólica, hídrica e outras que estão em desenvolvimento.
  • É de implementação muito demorada (10-15 anos para uma nova central), não sendo, assim, solução “para hoje”.
  • O combustível nuclear convencional (U235) é escasso; para ser considerado abundante (U238, Th232), implicaria uma mudança de tecnologia (mais risco, mais tempo…); neste contexto fala-se hoje da tecnologia dos pequenos reatores, pré-fabricados, algo que não existe ainda… e que, muito provavelmente, serão ainda mais caros.
  • É uma solução de país muito rico, para países muito ricos.
  • O investimento no nuclear distrai e “seca” recursos financeiros para a transição energética.
  • O nuclear corre o risco de ficar irrelevante com o tempo, porque as ER estão disponíveis já e continuam a evoluir em conjunto com outras tecnologias (como é o caso das baterias, hidrogénio, etc.).
  • Em Portugal: já “não cabe” no nosso mix de produção, pois vamos ter algo entre 80 e 90% de contribuição de renováveis para a produção de eletricidade, em 2026. Mas também não “cabe” pela sua natureza, já que a presença de uma central nuclear impacta a rede e o seu funcionamento de forma muito diferente das ER, condicionando-as e prejudicando a sua disponibilidade.
  • O nuclear cria dependência energética (de quem fornece o combustível: sabia que actualmente a Europa depende a 60% da Rússia e dos seus satélites?) e gera insegurança em caso de guerra: as centrais são vulneráveis e não deixaram de ser perigosas!

Por último, não desapareceram os riscos de acidentes nucleares, embora as novas centrais sejam cada vez mais seguras. Aliás, é por isso que são cada vez mais caras.

Na contabilidade da sustentabilidade, os reactores nucleares também falham estrondosamente (embora a União Europeia tenha cedido ao lobby da taxonomia e tenha aceitado classificar o nuclear como sustentável) tendo em vista a diminuta emissão de CO2 associada ao seu funcionamento, mas ignorando o enorme impacte dos resíduos radioactivos sobre as gerações futuras.

Neste momento há cerca de 400 reactores nucleares operacionais em todo o mundo, que contribuem com menos de 10% da produção de electricidade a nível mundial. Muitos já estão a caminhar para velhos e alguns serão provavelmente substituídos, sobretudo na Europa, onde o nuclear representa cerca de 20% da electricidade total.

Portugal, felizmente sem nuclear, não tem de lidar com esta questão. E não necessita de se colocar numa situação diferente. Embora haja quem continue a teimar que deveríamos. Espero que o bom senso impere e que, por uma vez, nos ajude a crónica falta de recursos financeiros que nos caracteriza. É que, para uma central de 1600MW, estamos a falar de um investimento de mais de 1000 milhões de euros, se registarmos o exemplo finlandês (central de Olikuoto, acabada de construir), e podemos mesmo contar com mais de 19.000 milhões, se tomarmos como referência o idêntico EPR [European Pressurized Reactor] francês da Flamanville (em construção).

Estes valores são largamente superiores aos do novo aeroporto de Lisboa ou aos das primeiras fases de investimento no TGV, investimentos muito mais importantes, prioritários, estruturantes, com impactos grandes sobre toda a economia nacional.


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