October 07, 2023

Um putineiro a tentar parecer objectivo e imparcial

 


Este indivíduo agora inventou de defender a Rússia com o princípio de causalidade porque entende -calculo- que isso lhe dá um ar científico e imparcial. Diz ele que "o princípio da causalidade está na base de quase três milénios de pensamento científico", o que é exacto, mas logo a seguir aplica-o à guerra da Rússia contra a Ucrânia, como se a guerra e os assuntos internacionais humanos fossem uma questão científica que se analisa à luz do princípio de causalidade - o que não são.

Na realidade, o princípio da causalidade não se aplica às acções humanas, que são livres e não determinadas por meras leis científicas. Na prática, isto quer dizer que os comportamentos humanos não são passíveis de previsão do mesmo modo que uma caneta largada no ar: é por isso que a física é uma ciência exacta e a medicina e as ciências humanas, não. Nas acções humanas falamos de razões e não de causas.

Portanto, ou este indivíduo é determinista e então teria que fazer essa declaração de princípio antes de aplicar o determinismo das leis da natureza à acção humana, ou não é e, se não é, não pode aplicar o determinismo da causalidade às acções humanas. Em suma: ou esqueceu-se do que é a causalidade ou não tem honestidade intelectual e tenta baralhar os conceitos para quem lê ou é um determinista e nesse caso, a sua argumentação não interessa, dado que é determinada e não livre. A contradição dele vai ao ponto de dizer que, segundo a causalidade, a Rússia tinha que atacar a Ucrânia, não tinha escolha, mas segundo a mesma causalidade o Ocidente podia ter escolhido respeitar ditames da Rússia quanto aos países que tolera livres na sua órbita. 

Depois, papagueia a narrativa russa de que o alargamento da NATO é que foi a causa da guerra porque acha normal que o mundo seja governado por 3 ou 4 super-potências, onde cada uma define quais os países que lhes devem ser submissos ou controlar para seu benefício - é indiferente que Putin diga até à exaustão que a Ucrânia não é um país e que não tem o direito a existir, porque na narrativa deste putineiro, a culpa da Rússia pensar assim é dos EUA e da NATO. 

Compara a Ucrânia a Cuba, quando não são comparáveis, pois os EUA nunca invadiram Cuba, nunca mataram à fome milhões de cubanos como os russos fizeram aos ucranianos, nunca disseram que Cuba não pode existir e que o povo deve desaparecer, etc. - enquanto os soviéticos puseram lá os mísseis dizendo que era para atacar os EUA quando fosse necessário, a NATO, pelo contrário, tem armas e tropas nos países do Báltico e na Turquia mas nunca foi ofensiva para a Rússia, sempre defensiva e sempre disse que não atacava a Rússia, o que é verdade. Para já não falar no Fidel Castro, um ditador brutal que manteve o povo que se atrevia a falar livremente nas prisões, tal como faz Putin - mas para este senhor deve haver diferença entre ditadores e os que vêm do comunismo são bons. Ou talvez a culpa de serem ditadores brutais não seja deles mas da causalidade científica...

Depois, diz como se fosse uma verdade insofismável que "O derrube insurrecional em 2014, com apoio do Ocidente, do Governo legítimo de Viktor Yanukovich, um ucraniano russófono", como se os ucranianos fossem uma espécie de povo amorfo que é manipulado pelo Ocidente e, não fora isso, tivessem todos seguido Putin e os russofonos - passa por cima do envenenamento de Yushchenko pelos russos... enfim, uma narrativa putiniana que se provou completamente falsa, pois os ucranianos, nem são amorfos manipulados nem querem ou alguma vez quiseram Putin. Talvez seja isto que irrita este senhor como irrita Putin. 

Depois escolhe um episódio triste que foi o Parlamento do Canadá ter homenageado um nazi, sem saber (o Presidente do Parlamento demitiu-se imediatamente quando soube quem era a pessoa) como se isso fosse uma prova da causalidade dos russos terem tido que invadir a Ucrânia e, pior, como se isso provasse que o Ocidente é a favor de nazis. Uma desonestidade intelectual - mas ele chama indigente mentais a todos os que não percebem a realidade da justeza da guerra de Putin porque, diz, é negar a causalidade científica. Patético. Uma lástima de artigo a querer parecer imparcial e objectivo, mas que destila parcialidade e ódio aos EUA como é típico dos putineiros.

Defender a causalidade dos seus inimigos

Viriato Soromenho-Marques


De Aristóteles a Schopenhauer, o pensamento ocidental ergueu-se, sistematicamente, sobre o valor do princípio da causalidade: para conhecer as coisas do mundo (incluindo as humanas) temos de admitir que "nada acontece sem uma causa". O princípio da causalidade está na base de quase três milénios de pensamento científico. Esse é, portanto, um valor europeu de alcance universal, que foi impiedosamente atacado na esfera mediática ocidental com a guerra na Ucrânia. 

Os mass media deste lado do mundo caracterizaram a invasão russa da Ucrânia como "uma agressão não-provocada (unprovoked)". Não bastava condenar a óbvia violação do Direito Internacional, era preciso varrer todos os acontecimentos ocorridos desde o colapso pacífico da URSS, em 1991, e o início da guerra em 2022. Tornou-se suspeito analisar 30 anos de diplomacia de Moscovo contra os sucessivos alargamentos da NATO para Leste, ou os seus reiterados protestos, a partir de 2008, sobre a linha vermelha que a entrada da Ucrânia para a Aliança Atlântica representaria para a segurança russa (criando, pela proximidade geográfica, uma situação análoga à dos mísseis de Cuba para os EUA, em 1962). 

O derrube insurrecional em 2014, com apoio do Ocidente, do Governo legítimo de Viktor Yanukovich, um ucraniano russófono, tudo isso foi considerado nulo, em favor da narrativa, já usada noutros tempos e lugares, de que a invasão se devia a um ato irracional de um líder maligno. Com isso, a NATO, os EUA, a UE, ficavam libertos de uma análise autocrítica da sua conduta, baseada na tese, que se revelou como trágico preconceito, de que a Rússia se limitaria a protestos verbais. O pior, contudo, é que a liquidação do princípio da causalidade se estendeu também ao mundo académico. Com raras exceções, num assunto tão complexo e perigoso - como o é o da ocorrência de uma guerra de grandes proporções na Europa - os estudiosos de estratégia e relações internacionais foram privados da bússola e do método que permite pensar com objetividade e prospetiva os acontecimentos, sob pena de serem massacrados por uma nova Inquisição com o insulto de dormirem com o "inimigo russo".

Um brutal exemplo da indigência intelectual e moral a que conduz o "cancelamento" do princípio da causalidade ocorreu no dia 22 de setembro, no Parlamento do Canadá, por ocasião da visita de Zelensky. É ainda possível visionar no YouTube uma cerimónia de homenagem, com dois aplausos em pé de toda a assembleia (incluindo Trudeau e Zelensky), a um "herói ucraniano" de 98 anos, Yaroslav Hunke. O presidente desse Parlamento celebrou Hunke, por este, já na II Guerra Mundial, lutar contra os russos pela libertação da Ucrânia. 

Ninguém se lembrou de que nessa guerra o Canadá e a URSS eram aliados contra a Alemanha nazi, e que este país invadiu a URSS, devastando durante mais de 3 anos o território e o povo ucranianos. Foram necessários estudiosos judeus do Holocausto para desmascarar Hunke como um antigo voluntário de uma Divisão SS, formada por nazis ucranianos. Hunke foi um assassino de polacos (parte da atual Ucrânia ocidental era então território polaco) e judeus. Quem nega a causalidade destrói também a memória. Varsóvia pede agora a extradição do velho torcionário. Os "fracos reis" da caótica nau ocidental colocam a russofobia no lugar do pensamento e prudência estratégicos. Com o maior risco de escalada bélica ainda à nossa frente, talvez não falhem a oportunidade de nos levarem a todos ao fundo.


5 comments:

  1. "pois os EUA nunca invadiram Cuba," Ai não?

    ReplyDelete
    Replies
    1. Não. Fizeram uma tentativa de entrar e destituir Castro, mas que não resultou e desistiram e em vez disso fizeram um bloqueio marítimo que resultou.

      Delete
  2. Nem Granada, nem S. Domingos, nem Líbano, nem Iraque nem etc. etc. etc.

    ReplyDelete
    Replies
    1. Granada e S. Domingos não foram expansão de território, uma delas foi pedida pelos próprios e a outro foi um um conjunto de países americanos. Entraram, tiraram os estrangeiros e saíram.

      Granada: Em 13 de Março de 1979, um golpe de estado sem derramamento de sangue, liderado pelo líder do Movimento New Jewel, Maurice Bishop, havia destituído o governo de Eric Gairy para estabelecer um governo marxista-leninista, que rapidamente se alinhou à União Soviética e a Cuba.

      O novo governo começou a construir um aeroporto internacional com a ajuda de Cuba. O então Presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan, indicou este aeroporto e vários outros sítios como provas de um processo de militarização de proporções importantes, em curso no Caribe, apoiado pela URSS e Cuba, o que tornaria Granada uma ameaça potencial aos Estados Unidos. O governo americano acusou Granada de construir as instalações para ajudar no transporte de armas soviéticas destinadas a insurgentes nos países centro-americanos. O governo de Bishop afirmava que o aeroporto fora construído para albergar aviões comerciais, que transportavam turistas.

      Em 14 de Outubro de 1983, uma facção liderada pelo vice-primeiro-ministro Bernard Coard rompeu com Bishop. Posteriormente, forças ligadas a Coard executaram Bishop, apesar dos protestos da população, a favor do primeiro-ministro. O Governador-Geral de Granada, Paul Scoon, foi colocado em prisão domiciliar.

      A Organização de Estados do Caribe Oriental (OECS) pediu ajuda aos Estados Unidos, Barbados e Jamaica. Segundo Mythu Sivapalan escreveu no New York Times de 29 de Outubro de 1983, esse pedido formal teria sido feito por solicitação do próprio governo dos Estados Unidos, que já havia decidido realizar ações militares contra o regime de Coard.
      Atualmente, o dia 25 de Outubro é feriado nacional em Granada (Dia de Ação de Graças), em comemoração à invasão do país.

      S. Domingos: A partir de 1 de maio, as forças terrestres estadunidenses somam 4.200 (1.700 fuzileiros navais e 2.500 soldados do Exército) que assumiram o controle da cidade na área ao redor da Embaixada dos Estados Unidos e do Hotel Embajador e garantindo a evacuação de estrangeiros, um total de 6.500 serão embarcados em navios da Marinha dos Estados Unidos para Porto Rico ou evacuados por via aérea.

      Os Estados Unidos juntamente com a Organização dos Estados Americanos (OEA) formaram uma força militar interamericana para ajudar na intervenção na República Dominicana.[6] Posteriormente, a Força Interamericana de Paz (FIAP) foi formalmente criada em 23 de maio. Além da presença militar dos Estados Unidos, as seguintes tropas foram enviadas por cada país: 1130 do Brasil, 250 de Honduras, 184 do Paraguai, 160 da Nicarágua, 21 policiais militares da Costa Rica e 3 oficiais de El Salvador. Durante a guerra, morreram 44 soldados norte-americanos, e 200 ficaram feridos, entre a FIAP foram seis brasileiros e cinco paraguaios que ficaram feridos em ação. Os combates continuaram até 31 de Agosto de 1965, quando foi declarada uma trégua.

      Esta intervenção acabou em 21 de setembro de 1966, quando completou-se a retirada de tropas da Força Interamericana de Paz, e com a ascensão do Dr. Joaquín Balaguer à presidência da República Dominicana em 1 de junho de 1966. A relativa estabilidade política foi seguida inicialmente pelo opressivo governo de Balaguer que iria dominar a política da República Dominicana por vinte e dois anos.

      O Iraque, que foi a resposta ao ataque das torres gémeas, foi um erro, sim, mas não foi expansão imperialista colonial como a Rússia faz há séculos sem parar. Os EUA não queriam roubar o Iraque e matar os iraquianos até desaparecerem da face da Terra como os russos querem fazer aos ucranianos.

      O senhor deve informar-se antes de dizer estas baboseiras.

      Delete
  3. "O senhor deve informar-se antes de dizer estas baboseiras."
    Tem toda a razão.

    ReplyDelete