May 24, 2023

Um título que chama atenção pelo absurdo

 


Como não tenho essa ideia dos portugueses terem fobia à Rússia, fui ler este artigo pensando que a autora ia explicar a fonte dessa afirmação. "Engano doce e deleitoso", esse de esperar que escrevam nos jornais nacionais com um pouco de cuidado. A autora não tem nenhum dado nem fonte que sustente a 'russofobia portuguesa' que reclama no título e avança que se deve à devoção aos pastorinhos de Fátima e aos EUA, porque... pois, não sabemos, ela diz isso como podia dizer outra coisa qualquer já que não justifica o que diz.

Fala num "estudo do Guardian" mas cita-o mal (sim, dei-me ao trabalho de ir procurá-lo) porque nem é um estudo nem se refere a fobias à Rússia em geral: é um inquérito relativo aos países ocidentais que têm pior imagem da Rússia no contexto desta guerra e defendem com mais afinco que se corte as relações com a Rússia por causa da guerra que impôs à Ucrânia. O artigo é de Maio de 2022, quando a Rússia entrou pela Ucrânia adentro e Putin gozava com o Ocidente e afirmava que ia fazer a Ucrânia desaparecer do mapa. Era interessante que a autora referisse o contexto para que as suas palavras não sejam enganosas porque fala de um modo a dar a entender que desde 1917 que Portugal tem fobia à Rússia.

É claro que autora aproveita para dizer que devemos negociar uma paz, falando sempre da Rússia e nunca de Putin. Seria o mesmo que propor, como muitos na época da Segunda Guerra propuseram, que se negociasse uma paz com a Alemanha, esquecendo que essa paz teria que ser firmada com Hitler e os nazis. Era interessante que a autora referisse o contexto para as suas palavras não serem enganosas.

Quanto ao caso do professor de Coimbra despedido, parece-me claro que o reitor da Universidade de Coimbra não tem nenhuma russofobia -se a tivesse não tinha lá há 30 anos um centro de estudos da cultura russa, como é óbvio- e o que tem é uma enorme cobardia. 
Teve medo que o seu nome fosse parar aos jornais como apoiante de Putin. Depois do caso de BSS ter posto a Universidade de Coimbra nas páginas dos jornais negativamente, teve medo. O que não falta em Portugal são dirigentes cobardes e o que percebemos é a sua cobardia e o excesso de poder, pois sem ele não punha uma pessoa no olho da rua sem dar cavaco a ninguém. Inferir, do seu abuso de poder, um ódio a todos os russos, é completamente absurdo e infundado.

Conclusão: a autora, que conclui absurdamente que o reitor da Universidade de Coimbra tem preconceitos contra os russos, devia antes olhar para os seus preconceitos. Talvez os seus preconceitos sejam piores dos que os dos outros a quem acusa?
Se calhar o que custa a esta articulista de opinião é que os portugueses não adiram ao comunismo. Pois, temos pena, mas desde 1975 que os portugueses mostraram claramente que não queriam um país comunista. 


Vladimir Pliassov e a russofobia portuguesa

A russofobia dos portugueses terá origem nos demónios semeados pela história dos pastorinhos de Fátima, nas fábulas da maldita Rússia comunista e ainda em alguma ficção importada dos Estados Unidos.

Carmo Afonso (Público)

O diretor do Centro de Estudos Russos da Universidade de Coimbra foi afastado depois de 35 anos de serviço. Chama-se Vladimir Pliassov, ainda dava aulas e o seu contrato cessou por decisão do próprio reitor, Amílcar Falcão. Não teve direito a defesa ou ao exercício do contraditório.

O assunto aqui não se esgota na injustiça e na eventual ilegalidade do procedimento (ou da falta dele) que levou à cessação do seu contrato. É ponto assente que os seus mais elementares direitos não foram respeitados e que é inaceitável a forma como foi tratado pela instituição com especial destaque para a atuação do reitor. O próprio decidirá o que fazer com isso

Dois ativistas ucranianos denunciaram, num artigo de opinião publicado no Jornal de Proença, que Vladimir Pliassov fazia propaganda pró-Putin nas suas aulas e que tinha ligações aos serviços secretos russos. No dia seguinte José Milhazes levou o assunto à SIC-Notícias e o artigo ainda foi publicado no jornal Observador.

A argumentação dos ativistas não tinha consistência, desde logo porque nunca frequentaram uma única aula do professor. Terá sido cometida uma dupla injustiça: uma pessoa foi despedida sem lhe ter sido dada a possibilidade de apresentar uma defesa e as razões em que se baseou quem tomou tal decisão careciam de fundamento.

O reitor da Universidade de Coimbra teve uma única preocupação formal neste processo: a de fazer um comunicado a anunciar a decisão. Também nesse comunicado obliterou-se a dar explicações e a indicar factos, tendo apenas referido que tinha sido verificado que as atividades letivas estavam a extravasar o seu âmbito. Muito elucidativo.

A cultura russa é magnífica e ultrapassa, pela esquerda e pela direita, aquele que será o legado de Putin. Se sempre foram ridículas e despropositadas quaisquer animosidades contra a grande nação russa – de Tolstói, de Gogol, de Dostoiévski e de Nabokov – agora elas revestem uma gravidade extrema e não podem ser toleradas. A mensagem que passa, com o caso de Vladimir Pliassov, é que as pessoas de nacionalidade russa que vivem em Portugal estão desprotegidas e podem ser alvo de injustiças.

Já deveríamos saber mais e melhor que isto. Não foi só o reitor da Universidade de Coimbra que falhou. Falharam todos aqueles que assobiaram para o lado quando souberam deste caso. A guerra não pode ser pretexto para baixarmos a guarda perante injustiças.

É difícil evitar o dilema entre a vontade de apoiar a Ucrânia e a de apoiar o fim do conflito. A ideia de que continuar a armar a Ucrânia é um bom caminho para a paz tem demasiadas incoerências. Como pode a Ucrânia ganhar esta guerra? Que desfecho terá o conflito se não houver uma paz negociada? Mas existe uma certeza que cada um de nós poderá ter: trazer a guerra ao nosso quotidiano hostilizando pessoas inocentes é fazer parte do problema e nunca de uma solução. Aqui não pode haver dilemas e o que decidirmos tem consequências.

Amílcar Falcão prestou um péssimo serviço ao país. Ele representa o que existe de mais ignorante em cada português, aquilo que deve ser combatido e erradicado: o preconceito e a necessidade de validação. Está à frente de uma universidade. Assim é difícil acreditar que são centros de conhecimento. Falar disto é desagradável, mas não falar é feio.


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