Como não tenho essa ideia dos portugueses terem fobia à Rússia, fui ler este artigo pensando que a autora ia explicar a fonte dessa afirmação. "Engano doce e deleitoso", esse de esperar que escrevam nos jornais nacionais com um pouco de cuidado. A autora não tem nenhum dado nem fonte que sustente a 'russofobia portuguesa' que reclama no título e avança que se deve à devoção aos pastorinhos de Fátima e aos EUA, porque... pois, não sabemos, ela diz isso como podia dizer outra coisa qualquer já que não justifica o que diz.
Fala num "estudo do Guardian" mas cita-o mal (sim, dei-me ao trabalho de ir procurá-lo) porque nem é um estudo nem se refere a fobias à Rússia em geral: é um inquérito relativo aos países ocidentais que têm pior imagem da Rússia no contexto desta guerra e defendem com mais afinco que se corte as relações com a Rússia por causa da guerra que impôs à Ucrânia. O artigo é de Maio de 2022, quando a Rússia entrou pela Ucrânia adentro e Putin gozava com o Ocidente e afirmava que ia fazer a Ucrânia desaparecer do mapa. Era interessante que a autora referisse o contexto para que as suas palavras não sejam enganosas porque fala de um modo a dar a entender que desde 1917 que Portugal tem fobia à Rússia.
É claro que autora aproveita para dizer que devemos negociar uma paz, falando sempre da Rússia e nunca de Putin. Seria o mesmo que propor, como muitos na época da Segunda Guerra propuseram, que se negociasse uma paz com a Alemanha, esquecendo que essa paz teria que ser firmada com Hitler e os nazis. Era interessante que a autora referisse o contexto para as suas palavras não serem enganosas.
Quanto ao caso do professor de Coimbra despedido, parece-me claro que o reitor da Universidade de Coimbra não tem nenhuma russofobia -se a tivesse não tinha lá há 30 anos um centro de estudos da cultura russa, como é óbvio- e o que tem é uma enorme cobardia.
Teve medo que o seu nome fosse parar aos jornais como apoiante de Putin. Depois do caso de BSS ter posto a Universidade de Coimbra nas páginas dos jornais negativamente, teve medo. O que não falta em Portugal são dirigentes cobardes e o que percebemos é a sua cobardia e o excesso de poder, pois sem ele não punha uma pessoa no olho da rua sem dar cavaco a ninguém. Inferir, do seu abuso de poder, um ódio a todos os russos, é completamente absurdo e infundado.
Conclusão: a autora, que conclui absurdamente que o reitor da Universidade de Coimbra tem preconceitos contra os russos, devia antes olhar para os seus preconceitos. Talvez os seus preconceitos sejam piores dos que os dos outros a quem acusa?
Se calhar o que custa a esta articulista de opinião é que os portugueses não adiram ao comunismo. Pois, temos pena, mas desde 1975 que os portugueses mostraram claramente que não queriam um país comunista.
Vladimir Pliassov e a russofobia portuguesa
A russofobia dos portugueses terá origem nos demónios semeados pela história dos pastorinhos de Fátima, nas fábulas da maldita Rússia comunista e ainda em alguma ficção importada dos Estados Unidos.
Carmo Afonso (Público)
O diretor do Centro de Estudos Russos da Universidade de Coimbra foi afastado depois de 35 anos de serviço. Chama-se Vladimir Pliassov, ainda dava aulas e o seu contrato cessou por decisão do próprio reitor, Amílcar Falcão. Não teve direito a defesa ou ao exercício do contraditório.
O assunto aqui não se esgota na injustiça e na eventual ilegalidade do procedimento (ou da falta dele) que levou à cessação do seu contrato. É ponto assente que os seus mais elementares direitos não foram respeitados e que é inaceitável a forma como foi tratado pela instituição com especial destaque para a atuação do reitor. O próprio decidirá o que fazer com isso
Dois ativistas ucranianos denunciaram, num artigo de opinião publicado no Jornal de Proença, que Vladimir Pliassov fazia propaganda pró-Putin nas suas aulas e que tinha ligações aos serviços secretos russos. No dia seguinte José Milhazes levou o assunto à SIC-Notícias e o artigo ainda foi publicado no jornal Observador.
A argumentação dos ativistas não tinha consistência, desde logo porque nunca frequentaram uma única aula do professor. Terá sido cometida uma dupla injustiça: uma pessoa foi despedida sem lhe ter sido dada a possibilidade de apresentar uma defesa e as razões em que se baseou quem tomou tal decisão careciam de fundamento.
Dois ativistas ucranianos denunciaram, num artigo de opinião publicado no Jornal de Proença, que Vladimir Pliassov fazia propaganda pró-Putin nas suas aulas e que tinha ligações aos serviços secretos russos. No dia seguinte José Milhazes levou o assunto à SIC-Notícias e o artigo ainda foi publicado no jornal Observador.
A argumentação dos ativistas não tinha consistência, desde logo porque nunca frequentaram uma única aula do professor. Terá sido cometida uma dupla injustiça: uma pessoa foi despedida sem lhe ter sido dada a possibilidade de apresentar uma defesa e as razões em que se baseou quem tomou tal decisão careciam de fundamento.
O reitor da Universidade de Coimbra teve uma única preocupação formal neste processo: a de fazer um comunicado a anunciar a decisão. Também nesse comunicado obliterou-se a dar explicações e a indicar factos, tendo apenas referido que tinha sido verificado que as atividades letivas estavam a extravasar o seu âmbito. Muito elucidativo.
A cultura russa é magnífica e ultrapassa, pela esquerda e pela direita, aquele que será o legado de Putin. Se sempre foram ridículas e despropositadas quaisquer animosidades contra a grande nação russa – de Tolstói, de Gogol, de Dostoiévski e de Nabokov – agora elas revestem uma gravidade extrema e não podem ser toleradas. A mensagem que passa, com o caso de Vladimir Pliassov, é que as pessoas de nacionalidade russa que vivem em Portugal estão desprotegidas e podem ser alvo de injustiças.
Já deveríamos saber mais e melhor que isto. Não foi só o reitor da Universidade de Coimbra que falhou. Falharam todos aqueles que assobiaram para o lado quando souberam deste caso. A guerra não pode ser pretexto para baixarmos a guarda perante injustiças.
É difícil evitar o dilema entre a vontade de apoiar a Ucrânia e a de apoiar o fim do conflito. A ideia de que continuar a armar a Ucrânia é um bom caminho para a paz tem demasiadas incoerências. Como pode a Ucrânia ganhar esta guerra? Que desfecho terá o conflito se não houver uma paz negociada? Mas existe uma certeza que cada um de nós poderá ter: trazer a guerra ao nosso quotidiano hostilizando pessoas inocentes é fazer parte do problema e nunca de uma solução. Aqui não pode haver dilemas e o que decidirmos tem consequências.
A cultura russa é magnífica e ultrapassa, pela esquerda e pela direita, aquele que será o legado de Putin. Se sempre foram ridículas e despropositadas quaisquer animosidades contra a grande nação russa – de Tolstói, de Gogol, de Dostoiévski e de Nabokov – agora elas revestem uma gravidade extrema e não podem ser toleradas. A mensagem que passa, com o caso de Vladimir Pliassov, é que as pessoas de nacionalidade russa que vivem em Portugal estão desprotegidas e podem ser alvo de injustiças.
Já deveríamos saber mais e melhor que isto. Não foi só o reitor da Universidade de Coimbra que falhou. Falharam todos aqueles que assobiaram para o lado quando souberam deste caso. A guerra não pode ser pretexto para baixarmos a guarda perante injustiças.
É difícil evitar o dilema entre a vontade de apoiar a Ucrânia e a de apoiar o fim do conflito. A ideia de que continuar a armar a Ucrânia é um bom caminho para a paz tem demasiadas incoerências. Como pode a Ucrânia ganhar esta guerra? Que desfecho terá o conflito se não houver uma paz negociada? Mas existe uma certeza que cada um de nós poderá ter: trazer a guerra ao nosso quotidiano hostilizando pessoas inocentes é fazer parte do problema e nunca de uma solução. Aqui não pode haver dilemas e o que decidirmos tem consequências.
Amílcar Falcão prestou um péssimo serviço ao país. Ele representa o que existe de mais ignorante em cada português, aquilo que deve ser combatido e erradicado: o preconceito e a necessidade de validação. Está à frente de uma universidade. Assim é difícil acreditar que são centros de conhecimento. Falar disto é desagradável, mas não falar é feio.
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