July 15, 2022

Acerca da bondade

 



Reuben Fields Photography

Há um assombro nesta árvore com os ramos atirados para o alto em celebração, o aspecto frondoso, acolhedor e uma majestade apertada no severo claustro. Tem a energia das coisas sagradas, aquelas que rompem com a desordem do profano. 

Há uns dias um comentador desafiou-me a escrever sobre a bondade. É fácil esquecermo-nos, no meio da azáfama agressiva e mercantilista da vida actual, que existem actos de bondade.

Pus-me aqui a pensar sobre o que são actos de bondade. Fui à internet ver actos de bondade mas nada do que vi me pareceu bondade: alguém que paga o almoço a outra pessoa, alguém que muda de caminho para fazer um favor, alguém que intercede por outra pessoa... tudo coisas assim. São actos de simpatia, mas não de bondade. Aqui há uns meses entrei no supermercado ao fim do dia, à volta da escola. à minha frente na caixa estava um rapaz de vinte e tal anos. Comprou uma sandes daquelas já preparadas, um iogurte e um pacote pequeno de batatas fritas. Na altura de pagar falou-lhe o dinheiro e ele empurrou o iogurte para o deixar. Paguei-lhe o iogurte. Não foi um acto de bondade, foi um acto de simpatia. Não me custou nada -um euro ou assim- e ainda fiquei a ganhar uma satisfação comigo própria.

Lembrei-me daquela citação de Oscar Wilde sobre a superficialidade do sentimentalismo,

“A sentimentalist is simply one who wants to have the luxury of an emotion without paying for it. We think we can have our emotions for nothing. We cannot. Even the finest and most self-sacrificing emotions have to be paid for. Strangely enough, that is what makes them fine. The intellectual and emotional life of ordinary people is a very contemptible affair. Just as they borrow their ideas from a sort of circulating library of thought—-the Zeitgeist of an age that has no soul—-and send them back soiled at the end of each week, so they always try to get their emotions on credit, and refuse to pay the bill when it comes in. You should pass out of that conception of life. As soon as you have to pay for an emotion you will know its quality, and be the better for such knowledge. And remember that the sentimentalist is always a cynic at heart. Indeed, sentimentality is merely the bank holiday of cynicism.” (Oscar Wilde, De Profundis)

Oscar Wilde fala aqui em pagar referindo-se a uma personagem que precisa de dinheiro e vai visitar a mãe e resiste a pedir-lhe dinheiro porque não quer que a mãe pense que só foi lá por causa disso, mas por outro lado não quer abdicar do dinheiro que a mãe lhe pode dar. Ou seja, ele quer ter a gratificação do sentimento de ter feito um acto de bondade sem ter que pagar essa emoção com a dificuldade de ficar falido. A maioria dos actos que se referem como bondade são só sentimentalismo: um bilionário deu 5 milhões para caridade, uma pessoa pagou o jantar a outra, etc., são actos de simpatia, de empatia, de solidariedade, de generosidade mas são apenas sentimentais, pois não há nenhum custo associado à gratificação que retiram do acto. 

O caso do pai que dá o coração da filha que morreu num acidente para salvar a vida de outro é um acto de bondade porque há o custo da imensa dor de retalhar o corpo da filha, a juntar à dor da morte.  Actos de bondade são actos que têm um preço que é pago em sofrimento e não em auto-gratificação. 

Acredito que há muitos actos de bondade, a cada instante, no mundo. É difícil saber dos actos de bondade porque a maioria deles deve permanecer anónima, justamente porque implicam um preço em sofrimento que as pessoas pagam em privado. A maldade, na maioria dos casos, é uma indisponibilidade para pagar o preço do sofrimento (que pode ser dor, auto-imagem, vergonha, solidão, pobreza, etc.) que as situações acarretam. Por isso penso que a bondade tem que ser ensinada, quer dizer, tem que ensinar-se que há bens que valem o sofrimento.

1 comment:

  1. Obrigado por ter respondido amavelmente ao desafio.
    Sou católico e, nesse sentido, sou cristão (a inversa não é fatalmente verdadeira) e no domingo passado leu-se a parábola do bom samaritano, talvez uma das demonstrações mais claras do que é a bondade. Não é simpatia, de facto - é bondade.
    Percebo a sua dificuldade em classificar de bondade o que é simpatia. No caso do iogurte oferecido, penso que é bondade. Simpatia seria deixar o rapaz passar à sua frente por ter 3 artigos quando o seu carrinho tinha as compras do mês. Simpatia é abrir uma porta, deixar passar alguém.
    Sim, a bondade tem de ser ensinada. Vou pensar mais nisso.
    Obrigado, mais uma vez.

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