June 23, 2022

Cynthia Freeland, "Mas é arte?" III

 

Excertos.

Diamanda Galás funde a feitiçaria lírica, espectáculos de luz e sangue resplandecente na sua Missa de Peste, supostamente para exorcizar a dor na era da SIDA. Hermann Nitsch, o fundador vienense do Teatro de Mistérios das Orgias, promete catarse através de uma combinação de música, pintura, prensagem de vinho e derrame cerimonial de sangue e vísceras de animais. 

Tais rituais não são totalmente estranhos à tradição europeia: há muito sangue nas suas duas linhagens primárias, a judaico-cristã e a greco-romana. Jahweh exigiu sacrifícios como partes do seu pacto com os hebreus, e Agamémnon, tal como Abraão, enfrentou um comando divino para cortar a garganta do seu próprio filho. O sangue de Jesus é tão sagrado que é simbolicamente bebido, até aos dias de hoje, por cristãos que acreditam que por seu intermédio vão ganhar a vida eterna. 

A arte ocidental sempre reflectiu estes mitos e histórias religiosas: Heróis homéricos ganharam o favor dos deuses sacrificando animais, e as tragédias romanas de Lucan e Séneca amontoaram mais partes do corpo do que Freddy Krueger em Um Pesadelo na Rua Elm.

As pinturas renascentistas mostravam as cabeças de mártires com sangue ou lambidas; as tragédias de Shakespeare acabavam em esfaqueamentos.

Uma teoria da arte como ritual pode parecer plausível, uma vez que a arte pode envolver uma reunião guiada por certos objectivos, produzindo valor simbólico pelo uso de cerimónias, gestos e artefactos. Rituais de muitas religiões do mundo envolvem cores ricas, design, e pompa. 
Mas a teoria ritual não explica as actividades por vezes estranhas e intensas dos artistas modernos, como quando um artista performativo usa sangue. Para os participantes num ritual, a clareza e concordância de objectivos são centrais; o ritual reforça a devida relação da comunidade com Deus ou da natureza através de gestos que todos conhecem e compreendem. 

Porém, o público que vê um artista moderno não entra com crenças e valores partilhados, ou com conhecimento prévio do que vai acontecer. A maioria da arte moderna, no contexto do teatro, galeria, ou sala de concertos, carece do reforço de fundo da crença comunitária omnipresente que dá sentido em termos de catarse, sacrifício, ou iniciação. 
O público aqui não se sente parte de um grupo e por vezes fica chocado e abandona a sala. Isso aconteceu em Minneapolis quando o artista performativo Ron Athey, que é seropositivo, cortou a carne de um colega artista em palco e depois pendurou toalhas de papel embebidas em sangue sobre o público, criando pânico. 
Se os artistas apenas querem chocar a burguesia, torna-se bastante difícil distinguir a arte do Artforum de uma performance de Marilyn Manson que inclui rituais satânicos de sacrifício anima,l em palco.

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