XII – Por conseguinte, companheiro, continuou Sócrates, se tudo isso estiver certo, há muita esperança de que somente no ponto em que me encontro, [prestes a morrer] e mais em tempo algum, é que alguém poderá alcançar o que durante a vida constitui nosso único objetivo. Por isso, a viagem que me foi agora imposta deve ser iniciada com uma boa esperança, o que se dará também com quantos tiverem certeza de achar-se com a mente preparada e, de algum modo, pura.
Isso mesmo, observou Símias.
E purificação não vem a ser, precisamente, o que dissemos antes: separar do corpo, quanto possível, a alma, e habituá-la a concentrar-se e a recolher-se a si mesma, a afastar-se de todas as partes do corpo e a viver, agora e no futuro, isolada quanto possível e por si mesma, e como que liberta dos grilhões do corpo?
[isto não significa viver a negar os sentidos. Platão, tal como Sócrates, eram pessoas de muito convívio social. Sócrates teve muitos amantes (Platão, muito provavelmente, terá sido um deles), era uma pessoa que frequentava os simpósios, que incluíam os prazeres da mesa, tinham um ambiente regado com vinho e acompanhado de música, dança e muitas vezes acabavam em orgias. Afastar-se dos sentidos e do corpo significa treinar o pensamento para reflectir sem a interferência deles e considerar, na investigação da verdade, apenas os aspectos inteligíveis, racionais]
É muito certo, respondeu.
E o que denominamos morte, não será a liberação da alma e seu apartamento do corpo?
Sem dúvida, tornou a falar.
E essa separação, como dissemos, os que mais se esforçam por alcançá-la e os únicos a consegui-la não são os que se dedicam verdadeiramente à Filosofia, e não consiste toda a atividade dos filósofos na libertação da alma e na sua separação do corpo?
Exato.
Sendo assim, como disse no começo, não seria ridículo preparar-se alguém a vida inteira para viver o mais perto possível da morte, e revoltar-se no instante em que ela chega?
Ridículo, como não?
Logo, Símias, continuou, os que praticam verdadeiramente a Filosofia, de facto se preparam para morrer, sendo eles, de todos os homens, os que menos temor revelam à ideia da morte. Basta considerarmos o seguinte: se de todo o jeito eles desprezam o corpo e desejam, acima de tudo, ficar sós com a alma, não seria o cúmulo do absurdo mostrar medo e revoltar-se no instante em que isso acontecesse, em vez de partirem contentes para onde esperam alcançar o que a vida inteira tanto amaram – sim, pois eram justamente isso: amantes da sabedoria – e ficar livres para sempre da companhia dos que os molestavam? Amores humanos, perda de amigos, esposas e filhos, têm levado tanta gente a baixar voluntariamente, [suicídio] ao Hades, movidos apenas da esperança de lá reverem o objeto de seus anelos e de com eles conviverem; no entanto, quem ama de verdade a sabedoria e está firmemente convencido de que em parte alguma poder encontrá-la a não ser no Hades, haverá de insurgir-se contra a morte, em vez de partir contente para lá? Sim, é o que teremos de admitir, meu caro, se se tratar de um verdadeiro amante da sabedoria. Pois este há-de estar firmemente convencido de que apenas lá e em mais parte alguma poderá encontrar a verdade em toda a sua pureza. Se as coisas se passam realmente como acabo de dizer, não seria dar prova de insensatez temer a morte semelhante indivíduo? [o receio da morte, quando se pensa, mostra-se absurdo]
Sem dúvida, por Zeus, foi a sua resposta.
XIII – Por consequência, continuou, ao vires um homem revoltar-se no instante de morrer, não será isso prova suficiente de que não se trata de um amante da sabedoria, porém de um amante do corpo? Um indivíduo nessas condições, também será, possivelmente, amante do dinheiro ou da fama, se não o for de ambos ao mesmo tempo.
É exatamente como dizes, respondeu.
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